A pauta da semana na mídia nacional foi o chamado “rolezinho”, cujo debate trouxe à baila a questão do racismo, do preconceito, da desigualdade social, da alienação e da violência sem freios em nosso país.
Em enquete realizada na manhã de hoje, a Teresina FM, no programa Revista da Manhã, ancorado pelos competentes jornalistas Toni Rodrigues e Valcy Vieira, procurou saber a posição dos piauienses sobre essa questão que vem dividindo a opinião dos brasileiros.
O resultado da consulta mostrou que boa parte da sociedade local, a exemplo do que ocorre em outras capitais, está dividida quanto ao direito dos jovens da periferia de passearem em grupos pelos shoppings, redutos dos mais abastados, com medo que o rolezinho descambe para a violência.
Fiquei perplexo com a opinião de um ouvinte jornalista, que se manifestou contra os “rolezinhos” sob o questionável argumento de que os shoppings são estabelecimentos privados e podem selecionar seus visitantes.
Dois advogados, com obrigação de conhecer as leis desse país, chegaram a classificar o passeio dos meninos da periferia de ilegal e, um deles, até de marginal.
O jornalista, destacado colunista social, não sabe que estabelecimento comercial, que funciona de portas abertas, não pode escolher clientes ou visitantes pela cara.
Os dois advogados, por sua vez, precisam ler a nossa Constituição Federal de maneira mais atenta.
O direito de ir e vir assegurado pelo texto constitucional assiste a todo e qualquer cidadão livre desse país, seja ele pobre, rico, preto, branco, amarelo, doutor ou não, more na periferia ou nas chamadas áreas nobres.
Se a coisa descambou para a a violência foi motivada pelo preconceito e pela violência da policia que começou a agredir, gratuitamente, jovens da periferia só pelo fato de serem pobres, alguns negros, e de chocarem, com sua roupas diferentes, os ricos e novos ricos que frequentam os shoppings nos principais centros urbanos do país,
Foi a partir daí que começaram os atos de vandalismo, uma resposta à violência policial, ao racismo, ao preconceito e à postura arrogante de uma elite que vive assustada com a onda de violência que toma conta do país, violência que ela própria contribui para aumentar a cada dia.
Tenho visto aqui em Teresina a maneira violenta como polícia aborda jovens e trabalhadores na periferia, pelo simples fato de se vestirem humildemente, andarem a pé ou de bicicleta.
Há uma visão preconceituosa de que quem mora em vilas e favelas, até prova em contrário, é bandido.
Esses jovens da periferia, que ousaram invadir o reduto dos abastados, moram, em sua grande maioria, em comunidades que não contam com uma opção de lazer (quadras esportivas, cinemas, teatros, museus, shoppings, etc) e foram atraídos a esses lugares pela farta publicidade que se faz em torno das maravilhas que oferecem os shoppings.
Ai vão dizer que shopping é lugar de compras e não de lazer, mas quantos filhinhos de papai não vão a esses locais apenas flertar com as garotas, tomar uma geladinha na praça de alimentação, ver um bom filme, jogar games ou boliche?
Sou contra toda forma de violência, parta de onde partir, mas não podemos, enquanto pessoas civilizadas, admitir que o combate a esse fenômeno que preocupa todo o Brasil justifique a truculência policial contra jovens pelos simples fato de ousarem frequentar um shopping.
Vejam o que escreveu na última edição de ISTOÉ o seu diretor editorial, jornalista Carlos José Marques:
“A Anistia Internacional pediu explicações para o que considerou uma discriminação desnecessária e preconceituosa. Classificou de “racismo envergonhado” a resposta oficial, da Justiça e da polícia. Uma forma de apartheid. Em suma, empurrou o país para o clube dos que cultivam a segregação. Condição nada vangloriosa. O rastilho de pólvora foi aceso quando alguns shoppings resolveram pleitear nos tribunais a proibição dos “rolezinhos”, ferindo o direito de ir e vir de menores de idade, que, pelo estabelecido na liminar conquistada, não podiam circular livremente em suas dependências . Ato contínuo, a restrição descambou para a repressão violenta e seletiva por parte de soldados despreparados, reacendendo a mesma indignação que levou milhares às ruas no ano passado.”
Ainda Carlos José Marques:
“O diagnóstico sobre tais mobilizações não é simples. Mas as consequências da radicalização de ambos lado, sim. Na prática o “rolezinho” não pode ser considerado crime. E, portanto, não é passível de tamanha repressão policial. A atuação dos agentes, nos limites da lei, deve ser exercida apenas em casos de ameaças concretas a pessoas e ao patrimônio. Proibir aglomerações e encontros combinados nas redes sociais – coqueluche da nova geração – é atentado à liberdade cidadã”.
Voltemos ao nosso comentário.
A polícia, tal qual a Justiça, quase sempre age com dois pesos e duas medidas. Jovens filhinhos de papai que se reúnem em conhecidos pontos na noite de Teresina, para fazer toda sorte de baderna, inclusive pegas com os seus carrões de luxo, não sofrem qualquer repressão.
Mas, na periferia o pau canta, seja bandido, viciado em drogas, desocupado ou trabalhador. Não há distinção. É só fazer uma pesquisa nos bairros, vila e favelas da periferia para constatar que em quase todas as famílias tem uma ou mais pessoa que já sofreu violência policial.
Assim, manifesto-me a favor dos rolezinhos e contra a violência gratuita. A polícia só deve agir com mais rigor em casos de grave ameaça à ordem pública. Violência gera violência.